Esse é o primeiro conto postado no blog, então procurei algum bonitinho para estrear. O escolhido foi o de Ivan Angelo
O mesmo fala sobre a questão do dinheiro, da insistência de um homem que não entende que não se compra um animal, se adota. Achei bonitinho o final, pois o menino podia ter aceitado a oferta, e quem acabou saindo como o ignorante foi o homem! 

Negócio de menino com menina

O menino, de uns dez anos, pés no chão, vinha andando pela estrada de terra da fazenda com a gaiola na mão. Sol forte de uma hora da tarde. A menina, de uns nove anos, ia de carro com o pai, novo dono da fazenda. Gente de São Paulo. Ela viu o passarinho na gaiola e pediu ao pai:
– Olha que lindo! Compra pra mim?
O homem parou o carro e chamou:
– Ô menino.
O menino voltou, chegou perto, carinha boa. Parou do lado da janela da menina. O homem:
– Esse passarinho é pra vender? 
– Não senhor.
O pai olhou para a filha com uma cara de deixa pra lá. A filha pediu suave como se o pai tudo pudesse:
– Fala pra ele vender.
O pai, mais para atendê-la, apenas intermediário:
– Quanto você quer pelo passarinho?
– Não tou vendendo não senhor.
A menina ficou decepcionada e segredou:
– Ah, pai, compra.
Ela não considerava, ou não aprendera ainda, que negócio só se faz quando existe um vendedor e um comprador. No caso, faltava o vendedor. Mas o pai era um homem de negócios, águia da Bolsa, acostumado a encorajar os mais hesitantes ou a virar a cabeça dos mais recalcitrantes:
– Dou dez mil.
– Não senhor.
– Vinte mil.
– Vendo não.

O homem meteu a mão no bolso, tirou o dinheiro, mostrou três notas, irritado.
– Trinta mil.
– Não tou vendendo não, senhor.
O homem resmungou "que menino chato" e falou para a filha:
– Ele não quer vender. Paciência.
A filha, baixinho, indiferente às impossibilidades da transação:
– Mas eu queria. Olha que bonitinho.
O homem olhou a menina, a gaiola, a roupa encardida do menino, com um rasgo na manga, o rosto vermelho de sol.
– Deixa comigo.
Levantou-se, deu a volta, foi até lá. A menina procurava intimidade com o passarinho, dedinho nas gretas da gaiola. O homem, maneiro, estudando o adversário:
– Qual é o nome deste passarinho? 
– Ainda não botei nome nele, não. Peguei ele agora.
O homem, quase impaciente: 
– Não perguntei se ele é batizado não, menino. É pintassilgo, é sabiá, é o quê?
– Aaaah. É bico-de-lacre.
A menina, pela primeira vez, falou com o menino:
– Ele vai crescer? 
O menino parou os olhos pretos nos olhos azuis.
– Cresce nada. Ele é assim mesmo, pequenininho.
O homem: 
– E canta?
– Canta nada. Só faz chiar assim.
– Passarinho besta, hein?
– É. Não presta pra nada, é só bonito.
– Você pegou ele dentro da fazenda? 
– É. Aí no mato.
– Essa fazenda é minha. Tudo que tem nela é meu.
O menino segurou com mais força a alça da gaiola, ajudou com a outra mão nas grades. O homem achou que estava na hora e falou já botando a mão na gaiola, dinheiro na outra mão.
– Dou quarenta mil, pronto. Toma aqui.
– Não senhor, muito obrigado. 
O homem, meio mandão:
– Vende isso logo, menino. Não tá vendo que é pra menina?
– Não, não tou vendendo não.
– Cinquenta mil! Toma! – e puxou a gaiola.
Com cinquenta mil se comprava um saco de feijão, ou dois pares de sapatos, ou uma bicicleta velha.
O menino resistiu, segurando a gaiola, voz trêmula.
– Quero não senhor. Tou vendendo não.
– Não vende por quê, hein? Por quê?
O menino acuado, tentando explicar:
– É que eu demorei a manhã todinha pra pegar ele e tou com fome e com sede, e queria ter ele mais um pouquinho. Mostrar pra mamãe.
O homem voltou para o carro, nervoso. Bateu a porta, culpando a filha pelo aborrecimento. 
– Viu no que dá mexer com essa gente? É tudo ignorante, filha. Vam'bora.
O menino chegou pertinho da menina e falou baixo, para só ela ouvir:
– Amanhã eu dou ele pra você.
Ela sorriu e compreendeu.

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