Oi, minha gente! Achei esse texto no meu livro de Português da oitava série e gostei muito, daí resolvi postá-lo por aqui. Espero que gostem, porque amei!

Uma única descoberta científica, como o Projeto Genoma, que conseguiu mapear o códigogenético do ser humano, pode resumir séculos de pesquisas e representar um salto para a humanidade. Na busca de explicações sobre o desconhecido, impõe-se uma pergunta: deve haver limites para ciência?

Carta do Pleistoceno 

Senhores cientistas, 

quem daqui lhes escreve - daqui não sendo o além exatamente mas uma espécie de ponto de vista - é o mamute. O mamute aquele que vocês trouxeram recentemente à luz lá pelos lados da Rússia - à luz ofuscante dos flashes e dos holofotes de TV, é bom que se diga, porque uma certa luz fraca e opalinada me alcançou sempre através do gelo. E escrevo porque chegou-me a notícia - como chegam depressa as notícias nesse tempo vosso! - de que estão tentando me clonar.

Estão planejando tirar um pedaço de mim, daquilo que vocês chamam de DNA, manipulá-lo de alguma maneira que para meu cérebro parece assaz complicada, mas que deveria se concluir com a minha presença implantada num óvulo de elefanta, decorrente gravidez, e posterior nascimento. 
Peço-lhes encarecidamente que não façam isso. Poderia invocar os direitos do autor pois, embora mínino, qualquer pedaço de mim me pertence, mas receio não estar coberto por vossas leis autorais. Apelo então para aqueles sentimentos caridosos que dizeis habitar vosso coração. E para o bom senso, que infelizmente nem sempre tem esse mesmo endereço.

Estou, como os meus semelhantes, extinto desde o Pleistoceno. Boas razões tivemos para sumir, embora ainda não pudéssemos prever o que vocês aprontariam no planeta. Não sumimos sozinhos. Outras coisas se foram desde então, outros animais. Aparentemente não fizeram falta. Nosso erro, talvez, foi ter deixado o retrato nas paredes das cavernas. Sem querer, alimentamos saudades. E agora nos querem de volta. Mas, nascido outra vez, o que faria eu?

Único de minha espécie, que função me dariam vocês depois de me fazerem atravessar à força 200 mil anos? Uma jaula de zoológico ou um viveiro de laboratório? Serviria para o turismo ou como cobaia? Seria uma peça de museu viva ou criatura que escapou de algum desses filmes de que vocês tanto gostam? E quem embolsaria o cachê pelo uso da minha imagem? 

No meu mundo, os homens que me caçavam com suas armas de pontas de pedra me temiam, quase como a um deus, e à noite, ao redor do fogo, falavam de mim com reverência.          
No mundo de vocês eu seria apenas um monstro que não inspira respeito a ninguém. Um monstro solitário, sem sequer a possibilidade de apaixonar-me por uma loura e carregá-la para o alto do Empire State Building. 

Um monstro condenado à vida.

E como explicar, à elefanta de quem eu nasceria, nosso estranho parentesco?

O desmonte daquilo que fui já começou, antes mesmo do sequestro do meu DNA.                        
Plantado no gelo durante séculos como uma árvore submersa, permaneci, até vossa chegada, com a dignidade de um ser grandioso. Eu era uma estátua da minha era. Intacto. Soberbo. Logo acabaram com isso. Sequer tiveram a elegância de serrar inteiro o bloco que me continha. Serraram apenas o que lhes interessava, a porção que me manteria congelado. Os dentes deixaram de fora. E assim retangular, como uma embalagem de leite ou uma caixa de polpa de tomate em que alguém tivesse cravado dois garfos, fui içado por um guindaste diante dos olhos do mundo. Eu já não era uma estátua, era um container.
    
Sei que para vocês eu nem mereço qualquer explicação, mas digam-me, qual é exatamente sua intenção? Esquecendo o brilhareco científico, suspeito que queiram trazer o passado de volta, com a desculpa de estudá-lo diretamente. 
   
Mas se fomos extintos é porque já não nos encaixávamos nas condições ao redor - a evolução ejeta seus antigos parceiros. Para realmente trazer-nos de volta seria preciso clonar muito mais do que o meu DNA, seria preciso duplicar tudo aquilo que nos mantinha vivos. E uma vez recriado aquele universo, como vocês se encaixariam nele? 

Permitam-me uma última pergunta: encontrando restos do Homo sapiens dos quais fosse possível retirar o DNA, tentariam vocês igualmente implantá-lo no ventre de uma mulher do século XXI?

Um Comentário

  1. Amei o texto, ou melhor, a fábula do mamute. E concordo com o tema em questão. Bela dica Jeni! Beijo!

    ResponderExcluir

Gostou de alguma postagem? Deixe o seu comentário. Com esse pequeno gesto você vai me deixar muito feliz. Aliás, sempre respondo a todos. Se quiser conferir a minha resposta, é só voltar ao blog. Será sempre bem vindo por aqui.